Dar uma volta pela feira também é cultura
Gosto de andar a pé pequenas distâncias e por isso, no dia 19, fui a pé à Feira Dionor Maranhão, a oito quadras da minha casa, comprar milho para meus galináceos. Já era bem tarde. Não verifiquei a hora exata, mas era por volta do meio-dia e, a pino, o sol estava muito quente. Tudo recomendava que fosse de carro, mas fui a pé, catando a sombra aqui e acolá, porque não me animei a tirar o carro da garagem e, mais do que isso, porque, conquanto a hora fosse inadequada, aproveitei para caminhar um pouco.
A despeito do dia e da hora, a feira, que é coberta e bem ampla, ocupando a quadra inteira, tinha bastante gente. Muitas pessoas almoçando nas barracas de comida, inclusivamente um advogado – meu amigo, além de colega de profissão –, que, alheio ao calor, não desabotoara os punhos da camisa nem folgara a gravata, o que achei o máximo. Cumprimentei-o de perto, com efusivos acenos, sem lhe apertar a mão, por causa da pandemia.
Fui em frente e cheguei à barraca em que compro o milho ao mesmo tempo que a feirante de uma barraca próxima, vendedora de comida, pessoa espirituosa e, pelo visto, culta. Idosa e usando máscara, esbanjava elegância e queria trocar uma cédula de R$ 50,00 (cinquenta reais), razão por que, engraçada e elegantemente, foi logo fazendo uma brincadeira com o emprego de transar por transacionar. O feirante do milho, também idoso, é sério e compenetrado, o que só fez sobressair mais ainda a brincadeira dela. Gostei muito e, calado, fiquei observando a cena, a esperar para ver no que daria.
Ele não tinha o trocado de que ela precisava, e assim, embora sem grosseria, o comunicou de forma séria e desinteressada na brincadeira. Ela, entretanto, sem deixar passar a oportunidade nem perder o bom humor, com a mesma elegância de antes, saiu dizendo: “Ah! Então, nós não vamos transar. Obrigada!” Eu, que assistia a tudo, bem de perto, não pude deixar de entrar na brincadeira e, com um sorriso infelizmente ofuscado pela máscara, disse a ambos: “Que pena! Não deu certo.” E lá se foi ela, cheia de vida, à procura de trocar sua nota de R$ 50,00.
Comprei o milho e saí meditando, calado, mas contente e comovido por ver que ganhara o dia. A pandemia não tirou a alegria, a força e a vontade de viver daquela mulher nem de tantos outros, trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, cujo sofrimento marcado pelos sinais físicos de uma vida sempre difícil, por mais que não passe despercebido, não lhes impede o admirável agir como se nada de ruim estivesse acontecendo.
Já fora do galpão, vi na barraca de um casal um fruto que nunca vira. “É pitaia, fruta típica do Pará”, disse-me alegremente a mulher. “Nunca tinha visto nem ouvido falar”, respondi. “É muito boa. Serve para muitas coisas e até para tirar a fome”, brincou o homem. Em casa, pesquisei na internet e encontrei muito do que o homem me dissera, de forma que fiquei deveras interessado na pitaia. Ir à feira livre, para comprar ou não, também é cultura.
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 02/03/2023
Alterado em 02/03/2023