Macaxeira Ensoada, Ovo Encruado
Lendo a crônica “Homens & Mulheres”, de Carlos Heitor Cony, no site da Academia Brasileira de Letras, encontrei o adjetivo “encruado” (na verdade, particípio passado do verbo “encruar”). E, um pouco antes, ao ler o pensamento número 260 do livro 501 Pensamentos do Pe. Antônio Vieira, encontrara a locução “tujupar de pindoba”. Aí, não deu outra: bateu uma saudade imensa do meu avô materno, José Monteiro da Silva, e do meu pai, João Belizário de Souza, ambos falecidos, bem como de outros parentes e, ainda, da vida que levei na roça, no passado que irremediavelmente se torna cada vez mais distante.
O leitor, por acaso, lembrar-se-ia da minha crônica “Tijitica, Jitirana e Tijupá”? “Tujupar” é variação de “tijupá”. “Encruado”, “ensoado”, “macaxeira”, “pindoba” e “tijupá”, dentre outras tantas, eram palavras comuns ao linguajar da minha família, quando morávamos na roça, onde fui criado, na zona rural de São Domingos do Araguaia. “Macaxeira ensoada” é aquela que, mesmo cozida, continua dura. E, meu avô não comia traíra, porque – dizia ele – era igual à macaxeira ensoada. Ele também não comia alguns outros alimentos e explicava sua rejeição com afirmações do tipo dessa que usava para não comer traíra. Por causa disso, meu pai, na liberdade de genro, o acusava de ser “cheio de nó pelo espinhaço”, outra expressão muito comum para nós.
Meu pai era piauiense, de Canto do Buriti, lugar de onde saiu a pé, para o Maranhão, em 1952 e aonde nunca mais voltou. “Cheio de nó pelo espinhaço”, na linguagem do nordestino, é o indivíduo cheio de idiossincrasias, ou seja, mutatis mutandis, um sujeito rabugento, como chamam em outras regiões do país. Mas meu avô – que, por sinal, também era piauiense e até filho de cearenses – não era rabugento; preferências culinárias à parte, era uma pessoa muito boa; homem simples, mais interessante.
Deixo de dar o significado das outras palavras e, propositadamente, remeto o leitor aos bons dicionários. Registro, contudo, que acalento o desejo de ainda escrever um dicionário com as palavras do linguajar do meu povo da roça: meus pais, meus tios e as demais pessoas do nosso convívio ao longo da minha infância e adolescência, na zona rural. Amo as minhas raízes e, por isso, gosto de conversar com o Dr. Sebastião de Jesus Souza Castro e a Zuleide, meus colegas da Câmara Municipal de Marabá, que apreciam usar, propositadamente, o mesmo palavreado. Com frequência, digo a eles: “Opa! Essa aí veio de longe e me lembrou do meu pai.” Ou do meu avô, ou da minha mãe, conforme o caso.
Encruado e ensoado não são sinônimos nem cognatos, é claro. Mas, por fim, apenas para lembrar os falsos cognatos, informo que ambas as palavras, em nosso linguajar, eram contextualmente empregadas quase como sinônimo. “Carne encruada” era a que, mesmo depois de muita cocção, continuava dura, da mesma forma que “mandioca ensoada” era a que não amolecia. Dizíamos, da mesma sorte, que a roça ficara encruada, quando não queimara direito e precisava ser encoivarada. Aliás, “coivara” era outra palavra comum para nós. Puxa vida, que saudade!
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 07/06/2022