Recanto Literário

Qual o proveito das flores postas somente sobre o caixão? Têm mais valor as que são dadas em vida.

Textos

Feijoada em família
Ando afastado da arte de cronicar, já faz alguns dias. Crise de entressafra, por certo. O motivo principal desse afastamento, contudo, é – ainda bem – transitório: estou escrevendo a monografia da pós-graduação “lato sensu”, mais precisamente o curso de especialização em Direito Administrativo. É a minha segunda pós-graduação “lato sensu”. A primeira foi especialização em Direito Constitucional, que, infelizmente, devido a problemas na minha saúde, não concluí.

Cursei todas as disciplinas da especialização em Direito Constitucional e tirei a nota máxima em todas elas: ficaram faltando apenas a monografia e a prova final, porque, devido à doença cardíaca, tive uma crise de depressão que durou meses. Melhorei após ter-se passado quase um ano, aí desisti. Restaram-me os textos que escrevi ao longo do curso e pretendo publicar como livro de pequenos ensaios de Direito Administrativo e Constitucional. Como sempre acontece, farei uma limonada com esse limão que a vida me deu.  

Pois bem. Afastado involuntariamente da literatura, sento-me à mesa para trabalhar na monografia e, por acaso, avisto à minha frente a edição 160 (agosto de 2013) do jornal literário “Rascunho”, de que sou assinante. Não resisti à vontade de escrever algo mais ameno e aqui estou escrevendo mais uma cronicazinha insossa e sem graça: o registro de uma feijoada em família.

É domingo, 22 de setembro de 2013, e, mais uma vez, estou eu sozinho com a incumbência de preparar o almoço para mim e parte da prole: Daniel, de dezesseis, e Samuel, de oito anos (o Douglas, de 26, está morando em Belém). A Câmelha viajou para Belém, dia 17, para participar do Congresso Internacional de Educação do Norte Nordeste, de 19 a 21, e também se submeter a consultas médicas. Domingo, descanso semanal remunerado da empregada e, como eu não quis pagar-lhe horas extras hoje, farei o almoço (e também o jantar, claro).

Despertei às 8h50, cheio de saudade, cansado e desanimado, com o latido dos cães, Aquiles e Sansão, no quintal. As crianças, que dormem comigo no quarto quando a Câmelha viaja, continuavam adormecidas, em sono gostosamente pesado e tranquilo. O sol, muito bonito, brilhava, entrando no quarto através do vidro da janela, como que a me convidar para um passeio.  Sem chance, pois logo me vieram, contudo, à mente preguiçosa e desanimada a lembrança da monografia e, não bastasse isso, da obrigação de fazer o almoço.

Pensei um pouco e resolvi comprar feijoada e cozinhar arroz, improvisando assim o que para o Samuel, na sua encantadora simplicidade de criança, seria um almoço e tanto. E assim fiz. Posto o almoço, liguei para a Câmelha, em Belém: “Aceita feijoada?...” Após conversarmos um pouco, passei o celular ao Samuel, que, maravilhado, ficou uns dez minutos falando da feijoada e dizendo a ela que deveria estar aqui para ver o quanto estava gostosa. Depois de falar da feijoada, com os laivos de sabedoria de sempre, passou a instruir a mãe, dizendo-lhe como fazer para chegar ao aeroporto, tomar o avião e vir embora.

Desligado o telefone, enquanto o Daniel continuava calado, só abre a boca para criticar e contestar como adolescente, o Samuel continuava maravilhado, satisfeitíssimo, planejando deixar feijoada para pôr na sopa à noite e dizendo-me: “Pai, não sei como pode um animal seboso e que só come lixo, como o porco, ser tão gostoso. É gostoso demais!” Pronto: estava resolvido o problema do almoço. E, pelo visto, fora muito bem resolvido.
Valdinar Monteiro de Souza
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 19/02/2014
Alterado em 19/02/2014


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