Felicidade é vida em plenitude[1]
No plano material, o ser humano, por consequência de sua natureza de ser, nasce, cresce, reproduz-se, envelhece e morre, salvo acidente de percurso que venha a suprimir uma ou mais dessas etapas entre o nascimento e a morte. Malgrado todo o progresso da ciência e da tecnologia, tais etapas constituem a certeza na existência das pessoas.
Mas a vida não é somente isso. A natureza humana exige algo mais que a satisfação dos desejos e necessidades orgânicas, até porque o motivo condutor da vida é a insatisfação, a busca constante de algo mais. Cessada essa busca, a vida já não terá sentido.
Logo, é imprescindível a satisfação das necessidades de alimentação, vestuário, moradia, higiene, saúde e lazer. Não porque assim está escrito na Constituição Federal, mas porque isso é o básico para que se viva. Por mais que pareça utópico dizer isso, a verdade é que satisfazer a essas necessidades é o básico quando se concebe a vida em plenitude.
Não queremos, por isso, apenas bens materiais e lazer, e tampouco necessitamos apenas deles. Aliadas a tudo, também nos interessam a realização profissional, a defesa e a busca de outros valores humanos profundos. Em outras palavras: não queremos apenas bens materiais, queremos a vida em plenitude.
Por conseguinte, o ser humano há de ser considerado a partir de uma visão holística, qual seja, há de ser considerado na sua totalidade. Nem só a parte material nem só a parte espiritual, uma vez que somos seres dicotômicos (corpo e alma ou espírito), na concepção de alguns teólogos e filósofos, ou tricotômicos (corpo, alma e espírito), como querem outros. E, quer sejamos dicotômicos quer tricotômicos, aspiramos a valores abstratos como o amor, a religião, a justiça, a liberdade e outros, valores esses sem os quais é impossível viver plenamente, porquanto são tão essenciais para o bem-estar e a realização pessoal em todos os aspectos quanto o é o atendimento às necessidades físico-orgânicas.
Assim, buscamos ao longo da vida a felicidade, como, aliás, já dizia Aristóteles, filósofo que a punha “como fim das ações humanas”.
Mas, afinal, que é a felicidade? – pergunta-se, sem se obter resposta fora da abstração e do subjetivismo. A propósito, grande discussão já existia entre os gregos, porque, segundo Aristóteles, quase todos concordam que a felicidade é o sumo bem ou fim último buscado pelo homem, mas discordam quanto à sua definição. Os estoicos, por exemplo, desenvolveram todo um sistema de ensinamento acerca da felicidade, com entendimento diferente dos demais filósofos de seu tempo.
Não é sem razão que a obra Ética a Nicômaco, daquele filósofo, apesar do enfoque dado à essência do homem, pode-se dizer que é, do começo até o fim, uma teoria da felicidade, assunto do qual ele também trata na obra Arte Retórica.
De qualquer forma, a felicidade está sempre, em síntese, ligada à ideia de plenitude. Ressalvado que, segundo os estudiosos, a palavra moderna felicidade é carregada de maior subjetivismo do que a correspondente palavra grega eudemonia (no grego antigo, εὐδαιμονία), já que para os gregos eudemonia trazia a ideia de plenitude de vida, a englobar os aspectos material e espiritual.
Há, todavia, a despeito disso, quem diga que a felicidade não existe. Contudo, como escreveu no soneto Velho Tema o magistrado e nosso poeta parnasiano Vicente de Carvalho, felicidade existe, sim. “Existe, sim; mas nós não a alcançamos / Porque está apenas onde a pomos / E nunca a pomos onde nós estamos.”
É por isso que há quem diga que a mulher paupérrima que mora com a prole embaixo da ponte pode ser feliz, ao mesmo tempo em que o mais rico empresário pode ser infeliz. É de ver-se, contudo, que, não obstante tratar-se de algo subjetivo e abstrato, não se confundem o estado de resignação inconsciente e o estado de felicidade racional. Tal mulher, sem dúvida, não é feliz; apenas renuncia à vida em plenitude, ante a própria impotência, como vítima da opressão e injustiças impostas por seus semelhantes. Quanto ao empresário rico e infeliz, talvez lhe falte a concepção holística que lhe permita ver-se como ser composto de duas partes bem distintas, a material e a espiritual, e, assim, cuidar de si a partir dessa concepção. Ou (quem sabe?) a despeito do poderio material, talvez, lhe falte algum dos já citados valores ao qual almeje e, por uma razão qualquer, não possa alcançar.
Sem vida em plenitude não há que se falar em felicidade.
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 09/12/2012
Alterado em 25/11/2023