Crônicas urbi et orbi
Já é muito conhecida e utilizada a citação de Tolstoi sobre ser universal e cantar sua aldeia que eu evito utilizar como epígrafe para este texto ao mesmo tempo em que forço a memória e o conhecimento compartilhado do leitor à mesma. Aos que não conhecem: google! É mais ou menos com este sentimento de citação conhecida por um repertório comum e um repertório a ser preenchido em buscas na internet que imagino os leitores de Valdinar, sobretudo os mais novos, cujas leituras escapam um pouco das referências clássicas, por estarem mergulhados em leituras mais hodiernas, ou, na linguagem desses, leituras mais ‘da-hora’. Nem sei se ainda dizem assim.
As crônicas de Valdinar, entretanto, não são necessariamente destinadas a este público mais jovem. São crônicas para leitores e leitoras de todas as idades (como as crônicas devem ser). Algumas talvez agradem mais perfil de leitor mais sintonizado com um universo de citações latinas e conhecimentos literários que pouco a pouco vão deixando de ser o foco das atenções na literatura. Outras talvez agradem mais leitores com conhecimento jurídico. Outras para os apaixonados pela língua portuguesa. Todas, entretanto, são de agradar a todos que gostam de literatura, em geral, e do gênero crônica, em particular.
Neste conjunto de 52 crônicas, todas publicadas, principalmente, no Recanto das Letras e no Blog do João Carlos, Valdinar conversa com o leitor, fala sobre a escrita da crônica, refere-se a outras crônicas que estão no mesmo volume, cita muitos autores e autoras, sobretudo de literatura brasileira, periódicos e publicações literárias e refere-se a muitos cronistas. O repertório de leituras é amplo, rico e erudito, que também inclui autores clássicos e citações bíblicas. E um repertório bastante amplo das palavras e seus significados.
Há também um repertório de histórias pessoais, a hora do ângelus, o quintal da infância, a memória de seus pais, sua experiência como advogado e como maçom, às memórias da cidade de São Domingos do Araguaia e ao presente em Marabá. Esta camada do livro apresenta, além das experiências pessoais e vinculadas à região, todo um repertório de palavras, imagens, aves, árvores... Em uma das crônicas comenta sobre seu “amor pela natureza, árvores, animais, rios, paisagens e nuvens”.
As crônicas bem que podem ser para tomar café à sombra do cupuzeiro, para brincarmos um pouco com o título. São crônicas que praticam algo que esteve muito em debate em fins dos anos 1990: a glocalização. Manifestações culturais que apresentassem uma relação com o Global (havia um debate intenso sobre a globalização principalmente na economia) e ao mesmo tempo vinculada às raízes do lugar, do local. Foi à esteira deste debate que surgiram grupos musicais como Manguebeat e Karnak.
Como disse, as crônicas foram publicadas anteriormente na internet. E esse é um dado relevante para este espírito atual deste livro. A glocalização também ocorre através da ampla referência ao universo de tecnologias e redes sociais. Valdinar cita sites, páginas, dicionários online, redes sociais como o antigo Orkut e o atual Facebook.
Na produção cronística de Valdinar, temos crônicas que vinculam a cidade ao mundo. Crônicas urbi et orbi (escolhi a citação latina para fazer um fanservice ao autor do livro). São crônicas que apresentam elementos linguísticos e de vivência nas cidades do interior da Amazônia Paraense (Marabá e São Domingos do Araguaia, por exemplo), que se vinculam a uma produção literária e cronística nacional, que falam de problemas locais, que debatem questões nacionais, que se relacionam com conhecimento de linguagem (inclusive etimologia) e de advocacia, vocabulário da região e citações latinas.
Muitas vezes, mais de um desses aspectos na mesma crônica. À sombra do pé de cupu, tomando um café, a leitura destas crônicas são uma viagem sem fronteira definida entre a Amazônia e o resto do Mundo.
Professor Doutor Abilio Pachêco de Souza
Pós-doutorando no PPGLLIT - UFNT / Bolsista CAPES
Doutor em Teoria e História Literária (UNICAMP / Fu-Berlin)
Professor no Mestrado Acadêmico de Letras da UNIFESSPA
Líder do grupo de Pesquisa LAERTE
Enviado por Valdinar Monteiro de Souza em 25/08/2024
Alterado em 25/08/2024